quarta-feira, 8 de abril de 2009

Televisão, ou, Costa a Costa Com Um Corvo

por William Sears

"
Marguerite estava um pouco aborrecida porque eu estava levando apenas uma pequena mala com roupas mas outras seis cheias de livros.

"Eu gosto de ler", disse-lhe.
"Você não vai ter tempo de ler na África."
"Notei que você está levando seu vestido azul-celeste, para grandes ocasiões."
"Talvez eu tenha que me arrumar para o jantar em alguma noite."
"Arrumar-se?" eu ri. "Talvez você tenha que subir numa árvore, isso sim!"

Dentro de poucos dias, Michael, Billy, Marguerite e eu estaríamos navegando para a Cidade do Cabo, a bordo doAfrican Sun. Seria para mim, a primeira etapa de uma jornada que me levaria para mais de 400.000 kms através da África, Europa, América do Norte e do Sul, Ásia, Austrália, e as ilhas do Pacífico, o equivalente a dez vezes a volta ao mundo.

Eu tinha acabado de dizer adeus para um emprego na televisão, que me renderia para começar $50.000 ano ano. No entanto, meu coração estava tão leve quanto uma pétala seca. Rodopiei com Marguerite e lhe dei um sonoro beijo.

"Diga-me princesa", perguntei, "isto está realmente acontecendo com aquele garoto de Minnesota, ou fiquei louco?"

Billy disse: "Eu sei qual é a resposta para isso."
"Mantenha-se fora disso."

Julgando-se pelos padrões do mundo, os meus resultados profissionais não foram muito ruins. Fui para a Filadélfia, a cidade do amor fraternal, para trabalhar na WPEN, a estação do Evening Bulletin. Transmiti os jogos de basquete da Universidade da Pensilvânia e os jogos do futebol americano da Universidade Villanova. Fui o Mestre-de-Cerimônias Americano para o programa da BBC - O International-Quiz, pelo qual recebemos recentemente um prêmio. Nenhum pagamento, mas um belo prêmio. Sei agora como meu pai sentiu-se quando eu ganhei a placa pela minha primeira peça. Foi algo bonito, mas não se pode comer um prêmio.

Quando o Bulletin da Filadélfia comprou a Rádio e Televisão WCAU, mudei da rua Walnut para a Chesnut, e tornei-me um narrador esportivo para a TV.

Circulei por todo o país transmitindo jogos profissionais do Eagles da Filadélfia e toda uma temporada de jogos da Penn pela televisão.

De repente eu ganhava mais dinheiro que meus credores pediam. Então mudamos para Downington perto de Westchester. Compramos uma fazenda. Quer dizer, nós compramos uma casa com um bocado de terra. Pensei que fosse do estilo Cape Cod. Marguerite insistiu que era Colonial. Porém, acho que Billy estava certo, chamando-a de Primitivo-Índio-Americano. Havia mais buracos na casa que uma clarineta, e em dias de vento você podia ouvir a casa tocar "Onde! Oh, para onde foi meu cachorrinho?" Mas tudo bem. Marguerite ainda mantinha a casa cheia de cachorros e ninguém nunca sabia por onde eles andavam: Fafnir, Sócrates, Tristão e Isolda, Lazy Moon e Krause. Todos bassês, com exceção de Fafnir, um boxer. Que na verdade mais parecia um lutador.

Alguns meses mais tarde me ofereceram o cargo de Mestre-de-Cerimônias do concurso semifinal para Miss América. Tínhamos que escolher a Miss Filadélfia. Ed Sullivan veio de Nova York para ser um dos juízes. Esta atribuição deu-me um aumento de salário, portanto resolvemos mudar para um novo apartamento. Billy estava vibrando de emoção. Ele dizia que não era supersticioso, porém não gostava de dormir numa cama com treze. Contando os gatos e cães ele estava absolutamente correto.

No meu primeiro ano de televisão para a WCAU, a revista Guia-de-TV deu-me um "Oscar" pelo melhor show de esportes.

Era um show com muita risada. Os fanáticos pelos esportes me matariam na rua, mas aqueles que apreciavam uma risada durante o jantar, sintonizavam a estação todas as noites. Foi naquela ocasião que eu tive a idéia de usar um unicórnio (um marionete) para ajudar-me a manter corretamente os registros dos jogos. Antes que eu desenvolvesse a idéia, Paul Ritts sugeriu um esquilo, dizendo que talvez pudesse confeccioná-lo. Ele conseguiu e ficou excelente. Paul conseguia falar em mais vozes que o Coral dos Meninos de Viena, então ele tornou-se Albert, o esquilo. Ele deu também meia dúzia de outras ótimas sugestões para o show...

Albert tornou-se a personagem central do drama-comédia que Paul e eu escrevemos para a CBS. Chamava-se No Parque. Eu fazia um bondoso velho sentado num banco do Central Park e que devido sua pureza de coração, podia falar com os animais.

Paul esculpiu e modelou um corvo chamado Calvin, uma girafa Sir Geoffrey, e uma ema a Magnólia Blossom. A esposa de Paul, Mary Holliday gravava a voz de Magnólia. Ela cantava como um rouxinol e parecia uma ave do paraíso.

Paul tinha um dom fabuloso tanto para escrever como para interpretar, e não é nada fácil ser um esquilo, uma girafa, um corvo e um diretor de primeira classe. Logo, nós ganhamos os corações da América todos os domingos ao meio-dia. Durante os meses de verão, nosso programa iniciava mostrando os pés de um trabalhador varrendo a calçada no Central Park, com uma vassoura enorme. Conforme as folhas eram varridas para os lados, os títulos do programa escritos em giz no chão, iam sendo descobertos:

No Parque
Com Bill Sears
E Os Animais Amigos
De Paul Ritts e Mary Holliday

No inverno, os mesmos pés com galochas, removiam a neve, revelando os créditos.

Menciono com algun detalhes este programa por ter sido o responsável direto em direcionar minha bússola para o verdadeiro norte. Era um programa de "três risadas e uma lágrima".

Com exceção do primeiro programa, eu mesmo me maquiava. Naquela vez chamamos um técnico para fazer com que eu parecesse ter setenta e cinco anos. Sentei pacientemente enquanto ele embranquecia meu cabelo e bigode e enrugava um rosto comum, porém ainda bom. Quando ele terminou, levantei-me e olhei para o espelho. Foi uma experiência muito enervante. Eu olhava a réplica perfeita do rosto do meu avô! Tudo que eu precisava era a caixa de aveia e um garotinho para conversar e eu estaria atuando na arte de ser avô. Fiz de Albert o esquilo-listrado, o garotinho.

No segundo ano de nosso programa escrevemos um programa especial para o dia de Natal. Era sobre uma estrela na árvore de Natal de Albert, que não acendia. Gus, o esquilo-cinza que vivia numa árvore do Park, estava com sarampo, por isso nenhum dos animais queria fazer-lhe a visita natalina. Na verdade, eles decidiram ficar com todos os presentes do amigo. Calvin o corvo, disse que ele gostaria de dar algum presente de Natal para Gus - o sarampo - mas isso ele já tinha. Sir Geoffrey a girafa, humildemente admitiu que deveria haver algo de bom em Gus - "uma vez que você procurasse com uma escavadeira." Magnólia ia dar uma caneta para Gus, porém, soube - para seu total desagrado, disse ela - que ele era analfabeto. Albert comprara um par de luvas de boxe para Gus, mas havia achado alguém muito mais merecedor daquele presente, quando olhou-se no espelho aquela manhã.

Albert veio sentar-se em meu ombro. "Você não está bravo comigo, está?" perguntou.
"Não, apenas desapontado."

Ele colocou seu focinho perto de meu nariz e olhou dentro dos meus olhos. "Você tem olhos bem marrons."
"Obrigado pela informação", eu disse, repetindo as palavras de meu pai há tantos anos atrás, em Minnesota.

Albert o esquilo, disparou para dentro de seu buraco na grande árvore e voltou com uma caneca, creme de barbear, um pincel e gilete para fazer minha barba para o Natal. Ele falava enquanto trabalhava.

"Porque é que vocês humanos ficam tão bonzinhos durante duas semanas aqui no parque na época do Natal, e tão miseráveis no resto do ano? A maioria das pessoas que vem aqui durante o ano se parece com algas marinhas, mas no Natal.. com madressilvas! Como você explica isso?"

"As pessoas são como a lua", respondi. "A lua não tem luz própria. Retira tudo do sol. Quando a lua está virada para a terra é sua parte escura - não reflete luz. Porém, quando a lua desvia-se da terra e vira para o sol, vai gradualmente ficando linda. Primeiro é um fio de prata; então é um-quarto de lua, metade, três-quartos; até que finalmente quando está de costas para a terra e fica direto à frente do sol, torna-se uma grande, redonda, brilhante lua cheia. E é nesse momento que derrama toda sua luz sobre este mundo escuro."

"Mas como você fala!" disse Albert, e eu ouvia a mim mesmo falando com meu avô enquanto ele enchia a manjedoura de Bela com a forquilha.

"É assim também com as pessoas, Albert" expliquei. "Quando seus corações estão voltados para as coisas materiais deste mundo, elas são escuras. Não há luz em seus rostos ou seus corações. Mas quando elas desviam-se das coisas materiais e voltam-se para Deus, tornam-se claras e brilhantes por dentro. Na época do Natal por poucos e breves dias esquecem-se das coisas mundanas e voltam-se para Sua Santidade o Cristo, trazendo um novo espírito ao mundo e por momentos fugazes fazendo dele um lugar muito bom para se viver."

Todos os bichos entenderam. Calvin jogou marshmallows dentro da chaminé de Gus, fingindo que estava tentando bombardeá-lo em vez de ser gentil, mas eu entendi. Sir Geoffrey deu um feixe de madeira para sua lareira. "Continuo não gostando dele" disse, "mas possa não gostar dele quando estiver quentinho, da mesma forma quando estiver frio." Magnólia pediu que eu virasse meu rosto, e com um gritinho de dor, arrancou uma pena de sua cauda. Com os olhos abaixados ela disse, "É uma pena para escrever." Eu lhe disse: "É o mais lindo presente - um pedacinho de você." Albert chegou usando as luvas de boxe. "Você é uma jóia de velhote, Bill, e sei o que você quis dizer com a história, e a quem você estava se referindo; por isso vou dar a luva de boxe para Gus. Mas, vou conservá-la em minhas mãos até eu chegar lá e decidir se primeiro vou dar-lhe um bom sopapo nas fuças."

Conforme Albert saia, a música natalina aumentava de intensidade e as câmeras moviam-se lentamente em direção da árvore de Natal com sua estrela apagada. Aos poucos foi brilhando por dentro e por fim tornou-se uma brilhante e clara estrela.

Ed Sullivan assistia ao programa de sua cama de hospital em Nova Iorque. Ele nos telefonou dizendo que aquela tinha sido a mais calorosa história de Natal. E perguntou se poderíamos comparecer em seu show de variedade, oToast of the Town, no próximo domingo. Ficamos encantados, pois seus sessenta minutos eram considerados no meio televisivo como o "melhor" show de todos.

O pessoal de televisão e algumas vezes os críticos de teatro chamavam Ed Sullivan de "A Grande Face de Pedra", entre outras coisas, mas nós percebemos ao trabalhar com ele, que seu coração era tão terno quanto uma canção de ninar irlandesa, e era uma das pessoas genuinamente simpáticas do ramo.

O programa teve grande sucesso e recebemos telefonemas e telegramas do país inteiro. Ed teve a gentileza de convidar-nos uma segunda vez para aparecermos no dia de São Patrício.

No entanto, foi durante a transmissão da semana de Natal, em Toas of the Town, que Albert reconduziu-me à trilha. Olhando-me com aquele tremendamente humano trejeito de cabeça que foi aperfeiçoado por Paul, ecoou palavras que meu avô e eu disséramos no dia do grande incêndio.

"É engraçado. Aqui estamos nós: você um homem velho, eu um jovem. E falamos sobre Deus. E gostando disso. Como você explica isso?"

Sorri. "Talvez porque você seja um jovem rapaz e eu sou um homem velho. Você está perto de Deus de um lado, e eu perto Dele do outro. As pessoas no meio de nós parecem ter-se esquecido."

Estava de volta ao celeiro naquele sonolento vilarejo fora de moda, Aitkin, Minnesota. Estava de novo sentado na caixa de aveia, perguntando, perguntando, com vovô sempre respondendo. Quase que eu abaixei e dei em Albert aquela esfregadela com as suíças.

Ao término de nosso programa com as luzes se acendendo na estrela e ao som da maravilhosa música de Ray Bloch e sua orquestra, houve uma breve entrevista com Ed Sullivan à frente das cortinas.

Ele contou a história de ter acabado de assistir ao programa da cama do hospital, e assegurou a todos que eu não era tão velho quanto parecia. Mencionei em nome dos familiares em Milwaukee e em Minnesota que pudessem estar assistindo que não era o avô Wagner que eles viam, nem que eu tinha de repente ficado velho por trabalhar na indústria de televisão. Eu esperava que vovô estivesse assistindo o programa e que o eco de sua própria voz tivesse agradado.

Marguerite e Billy e Michael me levaram de volta de Nova Jersey para Filadélfia. Eu estava muito silencioso. As palavras de Albert me fizeram com que eu pensasse. Teria eu virado meu rosto por inteiro ao sol? Recebi um telegrama de meu avô no dia seguinte. Era como se ele tivesse lido meu pensamento: Dizia apenas:

"Não derruba a tocha!"

Uns domingos mais tarde fizemos um programa contando como foi exatamente que o velho apareceu no parque, e porque ele começou a falar com animais. Senti-me esquisito ao escrevermos o roteiro. Era um surpreendente mas não intencional paralelo de minha própria vida:

O velho "Bill" de acordo com o roteiro tinha sido um jovem energético, executivo, publicitário, com um corte de cabelo à escovinha, uma pasta e um lugar constante no trem de Stamford, Connecticut. Ele era, oh, tão ocupado com tantas coisas importantes. Acelere, acelere, acelere! Até que um dia ele percebeu que estava perdendo muito mais do que estava ganhando, por isso ele jogou sua pasta na lata de lixo, andou pelo parque, e sentou-se num banco perto da árvore do Albert.

Em sua mente ele repetia uma canção infantil que cantava quando criança:

"Para onde corres tão rápido, ó velho pai,
O que procuras que não podes parar?"
"Procuro o horizonte e quem pode me ajudar,
Pois quanto mais corro, mais rápido ele se esvai!"

"Bill" decidiu sair da rotina, voltar e fazer as coisas que desde menino, em seu coração queria fazer. Ele queria ser escritor e falar de belas coisas da vida. Então comprou uma caderneta de dez centavos e sentou-se no banco e escreveu: Bill Sears, Minha Vida. Olhou para cima e viu Albert, o esquilo olhando para ele.

"Bom dia", cumprimentou Albert alegremente. "Estivemos esperando por você."

Sabe quando às vezes, alguém murmura ou canta a mesma canção e por horas ou dias você a repete e não consegue tirá-la da sua mente? Eu estava tendo esse problema com a cantiga. Fui até o clube jogar golfe com Bill Hart, Alan Scott e Gene Crane. Nem ouvi os insultos criativos durante a partida, alguns deles, soube mais tarde, eram baseados em simples mitos clássicos! Tudo que eu ouvia era:

"Para onde corres tão rápido, homenzinho?"
Bill Sears, Minha Vida.
"O que procuras que não podes parar?"
Bill Sears, Minha Vida.

"
(A Graça de Deus, William Sears)

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