terça-feira, 14 de abril de 2009

"Se o amor de Deus não existisse.."

por 'Abdu'l-Bahá

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Consideremos, em segundo lugar, o amor de Deus, cuja luz brilha da lâmpada do coração de quem O conhece, cujos raios cintilantes iluminam o horizonte, concedendo ao homem a vida do Reino Divino. Em verdade, o fruto da existência humana é o amor de Deus, pois é o espírito da vida, e a graça eterna. Não fosse o amor de Deus, o mundo contingente estaria envolto em trevas; sem este amor de Deus, o coração do homem perderia até a sensação de existir, estaria, de fato, como morto. Se o amor de Deus não existisse, estaria desfeita a união espiritual, e não se irradiaria sua luz sobre a humanidade – não mais haveriam de abraçar-se Oriente e Ocidente, como dois amigos afetuosos. Não fosse o amor de Deus, a desunião não se transformaria em fraternidade, a indiferença não cederia lugar à afeição, a estranheza não se tornaria a amizade. O amor existe no mundo humano origina-se do amor de Deus; graças à Sua bondade e benevolência é que se manifesta.

É claro que a realidade do homem apresenta divergências, tanto de opinião, como de sentimento. Esta diferença de opinião, de pensamento, de inteligência e de afetos verificada na espécie humana, provém de uma necessidade essencial, pois a diferença de grau que se manifesta entre as criaturas é um dos imperativos da existência, a qual se revela numa infinidade de formas. Necessitamos, portanto, de um poder soberano que domine os sentimentos, opiniões e pensamentos de todos, anule os efeitos destas divisões, e leve à união todos os membros individuais da humanidade. É claro, é evidente, que este grandíssimo poder no mundo humano é o amor de Deus. Ele reúne os vários povos sob um mesmo teto de afeição fraternal, e põe entre nações hostis e famílias inimigas o amor e a união.

Vemos, depois de Cristo, quantas nações, raças, tribos e famílias vieram abrigar-se à sombra do Verbo de Deus, graças ao poder de Seu amor, e tanto assim que desapareceram completamente dissensões e diferenças que por mil anos haviam persistido. Desapareceu qualquer pensamento de raça ou pátria; as almas uniram-se, e todos tornaram-se espirituais, verdadeiros cristãos.

A terceira virtude humana é a boa vontade, base das boas ações. Alguns filósofos consideram a intenção como superior à ação, sendo a boa vontade luz absoluta, pura e santificada, isenta do egoísmo, da inimizade, da decepção. É possível um homem cometer um ato, aparentemente reto, porém motivado pela cobiça. Um carniceiro, por exemplo, cria um carneiro e protege-o, mas sua boa ação é ditada pelo desejo de obter lucro; todo seu cuidado tem por fim a matança do pobre animal! Quantas boas ações são ditadas pela cobiça! A boa vontade, porém, é santificada e isenta de tais impurezas.

Numa palavra, se ao conhecimento de Deus acrescentarmos o amor a Ele e também a atração, o êxtase, e a boa vontade, teremos um ato reto realmente íntegro, perfeito. Em caso contrário, se não for sustentada pelo conhecimento de Deus, pelo amor a Ele, e por uma intenção sincera, a boa ação, embora louvável, será imperfeita. Consideremos o exemplo do corpo humano: para que seja perfeito, deve reunir todas as perfeições. Não lhe basta a visão, embora esta seja extremamente preciosa; a audição é imprescindível. A audição também é muito apreciável, mas o poder da linguagem lhe deve servir de auxílio e este, por mais importante que seja, depende, por sua vez, do raciocínio; e assim por diante. Só quando o homem possui todos estes poderes – todos os órgãos e membros do corpo, e todos os sentidos – é ele realmente perfeito.

Encontramos hoje no mundo pessoas que sinceramente desejam o bem universal, fazem tudo ao seu alcance para proteger os oprimidos e auxiliar os pobres, e se dedicam com entusiasmo à causa da paz e bem-estar universais. Embora tais pessoas sejam perfeitas sob este ponto de vista, não o são na realidade, enquanto privadas do conhecimento e do amor de Deus.

Galeno, o médico, comentando em seu livro o tratado de Platão sobre a arte de governar, diz que os princípios fundamentais da religião concorrem muito para o estabelecimento de uma civilização perfeita, porque "a multidão não pode compreender a relevância das palavras descritivas, e portanto precisa de palavras simbólicas que anunciam recompensas e punições no outro mundo; e o que prova a verdade desta afirmação," diz ele, "é que vemos hoje um novo chamado cristão, acreditando em recompensas e punições, e os atos dessa seita são tão belos como os de um verdadeiro filósofo. Assim todos observamos claramente que eles não têm medo da morte, esperam e desejam da multidão só a justiça e a equidade, e são considerados verdadeiros filósofos".

Vejamos o grau de sinceridade e fervor demonstrado por um crente em Cristo; consideremos a elevação de seus sentimentos espirituais e de seu conceito de amizade, e a nobreza de suas ações, ao ponto de ter razão Galeno, embora não pertencendo à religião cristã, quando ao testemunhar a boa moral e as virtudes de seus adeptos, proclamou que eram verdadeiros filósofos. Mas essas virtudes, essa moral, não provinham apenas das boas ações, pois se a virtude consistisse simplesmente em se obter e transmitir o bem, então por que não louvarmos esta lâmpada que ilumina a casa, e cuja iluminação é, sem dúvida, um benefício? Do sol depende o crescimento de todos os seres da terra; graças ao seu calor e à sua luz é que todos se desenvolvem. Existe benefício maior? Por não se originar na boa vontade, entretanto, nem no amor, nem no conhecimento de Deus, tamanho benefício é imperfeito.
Quando um homem, porém, oferece a outro um simples copo de água, este sente-se grato e manifesta gratidão. Alguém, sem refletir, dirá: esse sol que dá luz ao mundo merece adoração e louvor pela suprema bondade que manifesta; por que não devemos ser gratos ao sol pelas suas graças, quando louvamos um homem por um simples ato de bondade? Ao tentarmos discernir a verdade, porém, vemos que o ato bondoso do homem, embora insignificante, provém de sentimentos conscientes que existem, e por isso é louvável, enquanto a luz e o calor do sol não são devidos a sentimentos conscientes e não merecem, pois, nossos louvores e agradecimentos, ou nossa gratidão.

Do mesmo modo, a boa ação de uma pessoa, por mais louvável que seja, quando não é motivada pelo conhecimento de Deus nem pelo amor a Ele, é imperfeita. Também, se refletirmos, perceberemos que até as boas ações de pessoas ignorantes de Deus são, fundamentalmente, devidas aos ensinamentos de Deus. Antigos Profetas induziram os homens a fazer o bem, demonstrando-lhes a beleza e os excelentes efeitos da boa ação, e assim vinham se difundindo entre os homens, um após outro, Seus ensinamentos, permitindo que seus corações se inclinassem a estas perfeições. Vendo, pois, a beleza da boa ação, e verificando quanto concorria para a felicidade da espécie humana, os homens seguiam estes ensinamentos.

Vemos, então, que estas ações também são condicionadas pelos ensinamentos de Deus, embora a justiça seja necessária, a fim de perceber isso, nada valendo a controvérsia ou a discussão. Louvado seja Deus por terdes estado na Pérsia e visto como os persas, inspirados pelos sopros sagrados de Bahá'u'lláh, tornaram-se benévolos para com a humanidade. Antigamente, ao encontrarem alguém que pertencia a outra raça, sentiam grande inimizade, ódio e malevolência, e atormentavam-no; a tal ponto desprezavam qualquer estranho que jogavam terra sobre ele. Queimavam o Evangelho e o Velho Testamento, e então lavavam as mãos por acharem-nas poluídas pelo contato. Mas hoje, em suas reuniões e assembléias, a maioria deles recita e entoa o conteúdo destes dois Livros, expondo seus sentidos esotéricos. E demonstram hospitalidade até para com os inimigos. De lobos sanguinários, transformaram-se em gazelas meigas, nas planícies do amor divino. Tendes visto os seus costumes e hábitos e ouvido o que contam acerca dos persas antigos. Será possível que tamanha transformação moral, que tão grande melhora em sua conduta e em suas palavras, tenha sido efetuada de outra maneira senão através do amor divino? Não, em nome de Deus. Se quiséssemos introduzir essa moral, esses costumes, por meio da ciência ou de qualquer conhecimento material, levaríamos mil anos, e mesmo assim não teríamos conseguido disseminá-los completamente entre as massas.

Hoje, graças ao amor de Deus, com a maior facilidade tudo isto é conseguido.
Sede, pois, vigilantes, ó possuidores de inteligência!

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('Abdu'l-Bahá, Respostas a Algumas Perguntas)

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